O declínio do debate público no Brasil — por Vinícius Barcellos (3 de Maio de 2020)

Vinícius Barcellos
4 min readMar 23, 2021

O quão longe pode-se ir para posicionar-se de forma celere sobre pautas políticas e sociais e quais as consequências disso ao debate público?

Bom, respondendo esse questionamento objetivamente, vê-se a completa imprudência e baixo nível dos debates sobre pautas importantíssimas nas redes sociais e isso denota um grave problema originado desde a alfabetização: a sanha pelas críticas, ainda que infundadas, e uma necessidade abjeta de se mostrar “antenado” sobre os assuntos do momento.

“A morte de Sócrates”, por Jacques-Louis David (1787)

Você não precisa ir muito longe para ver posicionamentos extremos baseados quase sempre numa conjuntura dicotômica falsa, onde, na visão do senso comum ou de falsos intelectuais, haverá sempre um um opressor x oprimido ou um “sectarismo x exclusivismo”¹

Na obra “Como Ler Livros” do célebre filósofo americano Mortimer Adler, o educador alerta sobre a etiqueta e prudência com relação a crítica elencando como seria uma análise autêntica e cautelosa.

O primeiro estágio está relacionado à visão panorâmica do conteúdo ou situação em questão com o objetivo de enxergar os contextos e delimitar pautas a serem discutidas. O segundo estágio equivale a reunião máxima de detalhes e informações com o fito de criar uma base argumentativa consistente para chegar no terceiro e último estágio: analisar de forma critica os conteúdos apresentados reconhecendo sobretudo sua imperfeição intelectual e humana² — um grande princípio conservador.

Quantos passos foi necessário para tecer críticas contundentes e se posicionar, hein? Sim, decerto, talvez seja esse trabalho todo para análisar as pautas políticas e sociais que transcende os limites básicos de uma análise consistente sobre os temas estabelecidos socialmente, seja de forma coloquial ou em debates na internet. Adler aborda de forma sucinta o que viera a ser um grande problema para a juventude em formação no mundo contemporâneo.

Na introdução eu mencionei a alfabetização como problema beneplácito do baixo nível dos colóquios e debate público hodiernamente. Segundo o historiador e Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Rafael Nogueira, o pilar para este declínio cognitivo está intimamente ligado ao método pedagógico de “consciência crítica” de Paulo Freire, declarado em 2012 patrono da educação brasileira, no qual atropela todas as etapas do senso crítico propostos acima por M. Adler onde criticar “vira uma moda” e estes que criticam são rotulados e vistos como “intelectuais” desde então; um significado verossímil ao que estabelecia o filósofo marxista italiano Antonio Gramsci de “intelectual orgânico”³. O historiador e autor da obra “Desconstruindo Paulo Freire”, Thomas Giulliano (PUC-RS) complementa enfatizando a tese freiriana de que “cabe ao professor retirar o hospedeiro burguês ao dar consciência ao aluno independente da classe social”.⁴

Constata-se que, a mente humana foi transpassada de tal forma pela vontade de parecer sempre bem informado e “descolado” de maneira a tornar-se inato ao debate público uma dicotomia na qual a intolerância ao oposto é profunda, e isto acarreta o outro lado do problema: a vergonha de se posicionar com medo do que terceiros irão pensar. Este lado da moeda dificilmente é visto, pois geralmente é invisível e se camufla quando o emissor adequa seu discurso à voz corrente temendo o isolamento para agradar determinados grupos ou até mesmo para ficar bem visto diante dos seus respectivos ciclos de amizade. Com isso, vozes são caladas por serem consideradas impróprias às vistas do debate em questão, isto é, quem ousa ferir os suprassumos da moral politicamente correta é automaticamente “cancelada” e execrada publicamente, ou seja, o debate é suprimido, a liberdade de expressão é aviltada indiretamente.

Diante de todo este cenário, infere-se a importância de uma base argumentativa contundente para um debate saudável em busca da verdade. A cerca disso, deixo uma reflexão referente ao filósofo Mario Ferreira dos Santos: “Quando um grupo de homens afins, que aceitam uma determinada doutrina ou crença, fecham-se, sistematicamente, em grupos, considerando-se absolutamente senhores da verdade do que afirmam, e negam-se a participar mais intimamente com outros grupos semelhantes, e não toleram o diálogo amigo com os opositores, organizando-se, ainda, de modo fechado e autoritário, reagindo com energia aos que lhes fazem até mínimas restrições, esse grupo se secciona, se separa, cria um abismo entre ele e o restante, forma uma seita. A seita é tribalismo nas ideias. […] Sempre houve, sempre há, e talvez sempre haverá, em graus maiores ou menores, seitas e, sobretudo, o espírito sectário. Este é ainda o mais importante, porque aqueles, que embora não pertençam a qualquer seita organizada, têm o espírito de seita, e não concebem que suas ideias possam ser discutidas. Opõe-se a tudo quanto ponha em desmerecimento, ou fira, mesmo de leve, que levemente roce, o que consideram a sua verdade.”5

Referências bibliográficas:

¹ Expressão usada pelo filósofo brasileiro Mario Ferreira dos Santos em sua obra “Invasão Vertical dos Bárbaros”.

² ADLER, Mortimer, Como Ler Livros. É Realizações, 1972.

³ “O intelectual orgânico define-se tão somente pela defesa e promoção dos interesses e valores de sua classe. Nesse sentido, o conceito gramsciano de “intelectual” passa a incluir individuos de diversas profissões e atividades, mesmo as mais distantes — por vezes, até mesmo opostas — da ideia ortodoxa de atividade intelectual. Os intelectuais orgânicos, ao contrário, seriam um produto direto das classes e de sua posição respectiva no modo de produção. Em seu desenvolvimento, as classes criam os seus próprios intelectuais, que conferem a elas homogeneidade, organização e autoconsciência.” Ver: GORDON, Flavio. A Corrupção de Inteligência, Rio de Janeiro, Record, 2017, p. 82–83.

⁴ Ver Pelas Barbas do Profeta | Pátria Educadora — Capítulo 2. Brasil Paralelo: https://youtu.be/UPDjFGGN2w0

5 SANTOS, Mario Ferreira dos. Invasão vertical dos bárbaros.

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Vinícius Barcellos

Vinícius Barcellos, acadêmico de Administração Pública da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Falaremos daquilo que te incomoda.